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Recalque, Rejeição e Denegação: A Complexidade dos Mecanismos Inconscientes na Psicanálise de Freud.

 Sigmund Freud, o pioneiro da psicanálise, desbravou vastos territórios no campo da mente humana. Suas teorias revolucionaram nossa compreensão dos processos mentais, lançando luz sobre as profundezas do inconsciente e as motivações do ser humano. Entre suas contribuições mais marcantes, encontramos os conceitos de Verdrängung, Verwerfung e Verleugnung. No entanto, a tradução desses termos do alemão para outras línguas, como o português, tem sido uma fonte de desafios e mal-entendidos. Entender a diferença entre esses conceitos implica em considerações clínica que podem nortear tratamento e intervenções junto aos pacientes.

Para compreender plenamente esses conceitos e suas nuances, é essencial mergulhar na obra de Freud e explorar como eles se relacionam com o funcionamento da mente. Sendo assim, tomaremos por base para a criação desse texto um artigo científico (ver fonte) que procura discutir essas diferenças e sua relevância à luz do sujeito freudiano. Assim, vamos relembrar e estudar um pouco mais alguns conceitos freudianos.

Significado de termos psicanalíticos.

Vamos começar dando uma olhada e entendendo um pouco melhor o termo Verdrängung.

Verdrängung: O Recalque

O termo Verdrängung é frequentemente traduzido como "recalque" em português. No entanto, essa tradução nem sempre captura a complexidade do conceito. O recalque, em sua essência, envolve o processo de afastar da consciência pensamentos, desejos ou memórias que são perturbadores ou inaceitáveis para o ego. No entanto, a palavra "recalque" não expressa completamente o papel ativo do sujeito nesse processo. Verdrängung implica uma tomada de posição frente a um conteúdo psíquico, há uma ação e uma escolha (em algum nível) de "deixar", "afastar", um determinado conteúdo psíquico - perceba que quem deixa ou quem afasta implica em uma ação que é ativa e não passiva por parte do sujeito.

Na definição de Verdrängung, então, encontramos na posição do sujeito os verbos modais: FAZER com que POSSA/DEVA EXISTIR/FAZER a desaparição do objeto, ou seja, o NÃO-SER objetal para se ver/encontrar. O sujeito, portanto, permite, possibilita, que algo desagradável, doloroso, não-esteja encontrável à consciência. Há uma ATIVIDADE do sujeito, que determina o que pode/deve acontecer a este conteúdo, ou qual PODE/DEVE ser seu estado.

Lina Schlachter; Waldir Beividas.

Em Verdrängung, há uma forte ênfase no papel do sujeito, que age ativamente para afastar conteúdos indesejados da consciência. Freud usa uma expressão que alude a "deixar algo desagradável psíquico desaparecer de sua consciência" (Grosswörterbuch Deutsch als Fremdsprache) para descrever esse processo. Portanto, o termo "recalque" pode não captar adequadamente a ação do sujeito na "repressão" desses conteúdos indesejados.

O recalque resulta em pacientes que desejam manter o esquecimento de conteúdos intoleráveis, e suas expressões parecem ser moldadas por um "querer-não-saber" (ver quadro semiótico da fonte). No entanto, a psicanálise propõe que, mesmo após o recalque o conhecimento permanece no inconsciente e se manifesta por meio de sonhos, sintomas e atos falhos - situações habituais do setting psicanalítico. O objetivo final da psicanálise é mostrar que a crença na total ausência desse conhecimento é ilusória.

Verwerfung: A Rejeição

O conceito de Verwerfung é muitas vezes traduzido como "rejeição". Freud discute a Verwerfung de maneira proeminente no caso do "Homem dos Lobos". Nesse caso, o paciente rejeita a ideia da castração, buscando ativamente negar ou contradizer o conhecimento das diferenças anatômicas entre os sexos. A rejeição, nesse contexto, implica em uma negação ativa do que é perturbador para o sujeito.

Assim, a palavra "rejeição" pode ser uma tradução mais adequada para Verwerfung, pois reflete a ação deliberada do sujeito em negar ou rejeitar conscientemente o que é perturbador. Logo, Rejeição (verwerfung) encontra uma característica diferente, apesar de parecer semelhante, do recalque (verdrängung): o sujeito não quer saber nada sobre o conteúdo recalcado e rejeita o seu conhecimento, no primeiro há um recalcamento de um conteúdo psíquico e no segundo há um desejo por mantê-lo recalcado porque aceitá-lo é se defrontar com uma possibilidade ruim/ameaçadora - no primeiro se recalca o complexo de édipo e no segundo rejeita-se a castração.


Verleugnung: A Denegação ou Renegação

Finalmente, chegamos a Verleugnung, que é um conceito igualmente complexo. As traduções possíveis incluem "denegação" e "renegação". Verleugnung envolve uma oscilação entre o conhecimento de uma verdade e a recusa em aceitá-la. Um exemplo clássico desse mecanismo é o uso de um fetiche para negar a falta de um pênis nas mulheres. Aqui, a pessoa sabe que as mulheres não possuem pênis, mas ativamente se recusa a aceitar essa realidade.

Tanto "denegação" quanto "renegação" refletem a contradição fundamental presente em Verleugnung. O sujeito está ciente de algo, mas nega ou contradiz esse conhecimento ativamente. Esses termos capturam a complexidade do mecanismo e as nuances envolvidas. 

Em resumo, os conceitos de Verdrängung, Verwerfung e Verleugnung são fundamentais para a compreensão da psicanálise freudiana. Embora suas traduções possam ser desafiadoras, é essencial reconhecer as nuances de cada termo e como eles refletem a agência do sujeito na dinâmica do inconsciente. Cada termo - recalque, rejeição, denegação ou renegação - carrega seu próprio significado e implicações, e a escolha da tradução pode influenciar nossa compreensão desses conceitos complexos na psicanálise.

A ênfase está no papel do desejo do sujeito em cada mecanismo. No recalque, o sujeito eventualmente deseja saber ("querer-saber"). Na rejeição, após uma breve disposição para aceitar, o sujeito recua e reluta em saber, caracterizado por um "querer-não-saber". Na denegação, o sujeito está preso entre os dois polos, o que resulta em uma contradição. É importante ressaltar que esses mecanismos não são estáticos, e os sujeitos podem transitar entre os diferentes polos semânticos desses mecanismos à medida que constroem sua compreensão subjetiva da diferença sexual. Portanto, o texto destaca como o desejo do sujeito influencia esses mecanismos e suas crenças sobre a diferença anatômica entre os sexos.


Entender esses mecanismos é crucial para a prática da psicoterapia psicanalítica e construção do saber psíquico atravessado pelo laço social, pois eles lançam luz sobre os processos mentais profundos que moldam nossas emoções, comportamentos e relacionamentos. Portanto, ao explorar as obras de Freud e discutir esses conceitos, é fundamental levar em consideração as sutilezas das traduções para capturar sua riqueza e complexidade.


Fonte: 

  • FREUD, S. (1973), Obras completas, 3Ş ed., 3 v., Madrid: Biblioteca Nueva.
  • LACAN, J. (1976) Conférences et entretiens dans des universités nord-américaines. Scilicet 6/7, p. 5-63. Paris: Seuil.
  • SCHLACHTER, L.; BEIVIDAS, W.. Recalque, rejeição, denegação: modulações subjetivas do querer, do crer e do saber. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, v. 13, n. 2, p. 207–227, dez. 2010. 
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