Qual deve ser o papel do psicólogo no contexto escolar? A autora do texto inicia suas reflexões a esse respeito estabelecendo uma crítica ás atuações profissionais que se pautam pelo modelo clínico tradicional.
O modelo clínico tradicional busca no indivíduo, no seu mundo interno, nas suas relações familiares as causas para as dificuldades de aprendizagem.
Segundo Kupfer, tal modelo é ultrapassado, sem funcionalidade e visa à manutenção do sistema que produz o fracasso escolar. Assim, torna-se necessário pensar em outras e diferentes formas de intervenção.
À partir de uma perspectiva crítica de atuação profissional, que leva em conta a realidade social dos indivíduos, quais teorias poderiam contribuir para uma ação compromissada com a transformação social, que rompesse como o processo de alienação?
Dentre as várias possibilidades existentes, a autora destaca o referencial teórico oferecido pela psicanálise. Tal teoria "não pode auxiliar diretamente o professor, a não ser que esse professor se analise, não pode criar métodos pedagógicos inspirados por ela e não tem os mesmos objetivos da instituição" (p.54) , então, de que forma a psicanálise pode auxiliar na atuação do psicólogo que se pretende um agente de mudanças, que busca a ação preventiva e a otimização dos processos de aprendizagem?
Para a psicanálise todo trabalho psicológico tem como alvo o eu, esse eu que é constituído por identificações, que se molda a papéis sociais e varia com as condições históricas. " Os problemas de aprendizagem são na sua maioria problemas no funcionamento egóico, e portanto amplamente determinados pelas relações vividas pelas crianças no interior da instituição escolar." (p.54)
Outra forma de contribuição da psicanálise está relacionada com a possibilidade de leitura dos discursos institucionais. Tais discursos tendem a produzir repetições, cristalizações, é como se todos pensassem e falassem sempre as mesmas coisas. Desta forma, não há lugar para o diferente, para se pensar os mesmos e velhos problemas à partir de um outro lugar, para buscar novas possibilidades de olhar, compreender e conseqüentemente agir diante dos desafios. Esse é um papel importante para o psicólogo escolar : auxiliar no sentido de que o grupo possa romper com os discursos e relações cristalizadas. Assim, a psicanálise que irá nos ajudar não é a que se preocupa com as determinações inconscientes ou que descreve as fases psicossexuais.
Em quais espaços o psicólogo escolar pode atuar?
Atua junto aos vários segmentos envolvidos no processo educacional : professores, diretores, funcionários, pais e alunos.
Com os professores e diretores pode, por exemplo, trabalhar nos programas de formação continuada, montar grupos de estudo, auxiliar na avaliação e implantação de programas de ensino. Com os pais pode fazer orientações, estimular a participação na vida escolar, etc. Desenvolve ações voltadas aos alunos com defasagem escolar, problemas de relacionamento, orientação profissional, entre outros. Também pode trabalhar com educação especial, assessoria e consultoria para as escolas. Em linhas gerais o objetivo final de seu trabalho é a garantia do desenvolvimento das habilidades da criança.
Há também alguns espaços que não são de atuação do psicólogo escolar, por exemplo: os métodos de ensino, as técnicas de alfabetização são do espaço pedagógico. Há aspectos psicológicos que não devem ser abordados: a relação da professora com a própria mãe, por exemplo.
Análise Crítica acerca dos Instrumentos de Intervenção:
No modelo clínico tradicional o objeto de análise é a criança, nesse sentido busca-se compreender o que ela tem, o problema está na criança, nas suas relações familiares, no seu mundo interno. Em concordância com esse paradigma, para a avaliação da queixa escolar, algumas ações são realizadas, tais como: entrevista com os pais , anamnese, sessões lúdicas com a criança, aplicação de testes, diagnóstico, prognóstico, entrevista devolutiva com os pais, encaminhamento para tratamento.
Pensar o processo de avaliação da queixa escolar em harmonia com o modelo preventivo requer uma mudança paradigmática. Observem que ao alterarmos nosso paradigma alteramos nosso olhar e conseqüentemente as nossas ações. Assim, se no modelo preventivo o objeto de análise passa a ser o contexto das relações que produzem o fenômeno (não aprender) o objetivo do nosso trabalho será intervir no processo de produção da queixa escolar para rompê-lo. Á partir dessa perspectiva quais seriam as possíveis ações do psicólogo escolar?
- Pesquisar os bastidores dos encaminhamentos, as versões dos vários profissionais e a história de vida da criança. Para tanto pode-se pedir ao professor que escreva a queixa, ler o prontuário dos alunos, verificar a versão e as expectativas dos diversos segmentos envolvidos no processo, as práticas pedagógicas cotianas, etc.;
- Realizar encontros com o grupo de crianças e com os pais. Com o intuito de pensar o processo de produção da queixa e o que poderia se feito para modificá-la, pode-se verificar a participação dos pais e dos alunos nos processos de decisão na vida escolar, conhecer as diferentes versões dos fatos, observar as relações de poder, obter o consentimento dos pais para o trabalho a ser realizado, entre outras ações;
- Conversas com os professores para discussão dos acontecimentos em classe;
- Devolver os aspectos percebidos no processo aos professores, pais e crianças, verificar as possibilidades, as modificações, problematizar as questões, colher e oferecer sugestões para que a queixa possa vir a se superada.
- Por fim, cabe ressaltar que avaliar o processo de produção da queixa implica em buscar o quanto é possível alterar essa produção afetando os fenômenos nos quais ela se viabiliza.
Referências:
MACHADO, A. M. Avaliação psicológica na escola: mudanças necessárias. In: Psicologia e Educação – desafios teórico-práticos. TANAMACHI, E; PROENÇA, M. R.; ROCHA, M. M.(org). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p. 143-167.
KUPFER, M. C. O que toca à/a Psicologia Escolar. In: MACHADO, A. M. S. Marilene P. R. (org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4a ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 55 a 65.